enjoy the silence






“É preciso começar pela solidão. Os outros nos distraem, nos divertem, e nos afastam do essencial. Nós mesmos? Não. O essencial está em mim, mas não é eu. Em mim (em meu corpo): esse vazio. É preciso começar por esse vazio. É preciso começar pela angústia. E que seria da angústia sem a solidão? Os outros me dão a impressão de existir, de ser alguém, algo... Ao passo que a solidão, para quem vive sem mentir, me revela meu nada, me ensina minha vaidade, o vazio em mim da minha presença. Verdade da angústia. Descubro então que não sou nada, que não há nada em mim a descobrir, nada a compreender, nada a conhecer, a não ser esse nada mesmo. Solidão e silêncio: a noite da alma. Noite total, a alma não existe.


É necessário começar por essa noite. Deter-se nela. Enfrentar essa angústia. É por isso que muita gente nunca começa, e fica girando a esmo diante das portas de si mesmos. Falatório e diversão, jogos do sentido e da ilusão, caminhos e descaminhos do mundo e da alma: labirinto.


[...]


A grande tentação é a mentira. Menos por vontade de enganar outrem do que por medo de confessar a si mesmo a verdade. Se é que verdade há. São raras as traições, a mentira mais frequente é a tagarelice. Mente-se por horror do vazio... Mas a tagarelice também é covardia: medo do silêncio, medo da verdade... É palavra amedrontada. E somos todos tagarelas em público, por esse medo. É por isso que a solidão é uma oportunidade: para, pelo menos uma vez, ir até o extremo do seu silêncio. Essa solidão é antes de mais nada interior, e nós somos solidão, como diz Rilke, tanto no casal como no meio da multidão. Mas essa solidão é difícil e não a atingimos de uma só vez. É mais simples, inicialmente, se isolar, no sentido material do termo: o isolamento não é a solidão, mas pode levar a ela. Pedagogia do deserto: criar o vazio em torno de si, para encontrá-lo em si. Não ouvir mais ninguém; não dizer mais nada; escutar seu silêncio... É preciso começar por se calar, para não mais mentir. O inverno é a primeira estação da alma.”

COMTE-SPONVILLE, André. Tratado do Desespero e da Beatitude.

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Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) - MG. "Um sujeito preguiçoso e frio, algo quimérico, ravoável no fundo, que malandramente construiu para si próprio uma felicidade medíocre e sólida feita de inércia e que ele justifica de quando em vez mediante reflexões elevadas. Não é isso que sou?" A Idade da Razão - Jean-Paul Sartre.

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