“[...] Queimando a boca com um enorme trago de vodca, Oliveira passou o braço pelos ombros de Babs e apoiou-se sobre o seu confortável corpo. ‘Os intercessores’, pensou ele, afundando-se suavemente na fumaça do cigarro. A voz de Bessie se tornara mais fina no final do disco. Em seguida, Ronald colocaria o outro lado daquele círculo de baquelita (se era baquelita...) e, daquele pedaço de matéria gasta, nasceria de novo Empty Bed Blues, uma noite dos anos vinte em algum recanto dos Estados Unidos. Ronald tinha fechado os olhos, com as mãos apoiadas nos joelhos marcando apenas o ritmo. Wong e Etienne também tinham fechado os olhos. O quarto estava quase totalmente às escuras e ouvia-se o chilrear da agulha no velho disco. Oliveira mal podia acreditar que tudo estivesse acontecendo. Por que ali, por que o Clube, aquelas cerimônias estúpidas, por que era assim esse blues quando Bessie o cantava? ‘Os intercessores’, pensou outra vez, encostando-se ainda mais em Babs, que estava completamente embriagada e chorava em silêncio ao escutar Bessie, estremecendo a compasso ou contratempo, engolindo o soluço para não se afastar por nada dos blues da cama vazia, a manhã seguinte, o sapato molhado, o aluguel sem pagar, o medo da velhice, imagem cinzenta do amanhecer no espelho aos pés da cama, os blues, o tédio infinito da vida [...].”

Julio Cortázar – O Jogo da Amarelinha



PILOTO

Minha foto
Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) - MG. "Um sujeito preguiçoso e frio, algo quimérico, ravoável no fundo, que malandramente construiu para si próprio uma felicidade medíocre e sólida feita de inércia e que ele justifica de quando em vez mediante reflexões elevadas. Não é isso que sou?" A Idade da Razão - Jean-Paul Sartre.

FORÇA MOTORA

TWITTER