Soaria falso dizer que crê no amor adocicado das comédias românticas ou no amor incondicional dos dramalhões – não, não crê, além de enxergar na falsa naturalidade de tais gêneros cataclismos absurdos. Todavia crê no amor, o cru, o repetitivo, que preenche vazios com sexo, que se torna amizade, apenas, sem trepidações no coração. Insiste em dizer que não há nada mais catastrófico e belo que o início e o fim dos romances. Park that car / drop that phone / sleep on the floor / dream about me [1]. O amor tinha sabor, cheiro e textura de sexo, o restante parecia-se mais com amizade. A ideia de limitar a vida a uma pessoa – uma única – amedrontava a pobre garota de dezessete anos que queria ser considerada mulher, porque mulher que é mulher, madura, sabe manter um relacionamento, herança de fracassos anteriores. Os pais sempre foram liberais quanto ao sexo, mas ela sabia de certos limites que não diziam a respeito de posições ideológicas: quando transava em seu quarto ligava o estéreo em volume alto que permitisse os gritos e impedisse a audição dos ruídos de amor. Gostava de transar ao som de Francis A. Sinatra & Edward K. Ellington, vinil que herdou do avô – disse ao menos uma vez, em sussurros, aos três namorados com os quais transou ao som desse vinil “querido, sou sua”. And if she’ll say, “My darling, I’m yours” / I’ll throw away my striped tie / and my best pressed tweed / all I really need is the girl [2]. O amor às vezes vem precoce, absorve a adolescência e persegue enquanto houver vida, e da paciência que surge, esperançosa, escuta-se sempre um ruído triste que ocupa as noites que outrora foram preenchidas por ruídos de amor. Concordou com Nietzsche com veemência em relação ao tópico (assim por ela chamado) 415 denominado “AMOR” de Humano, Demasiado Humano, não sem antes, dois anos antes, condená-lo pelo mesmo tópico. Concordara com o filósofo nos dois momentos quanto aos tópicos 400 e 401, pois as mulheres se tornam por amor exatamente o que elas são no pensamento dos homens por quem são amadas e, na maioria das vezes as mulheres amam um homem de valor, de modo que querem tê-lo só para si. Elas o deixariam de bom grado em cárcere privado, se sua vaidade não as dissuadisse: esta quer que apareça a outras também como um homem de valor [3]. O primeiro namorado foi ela quem conquistou e também foi ela quem se cansou, o amor terminou por ócio, e embora a virgindade perdida mutuamente houvesse tido sabor mágico, não foi suficiente para prendê-la a ele. O segundo foi explosivo, durou um mês, suficiente para declarações de amor eterno, sexo diário (inclusive tentativa de sexo anal) e declarações de ódio eterno; o amor acabou em seu aniversário de dezesseis anos. O terceiro foi o mais intenso, all these people drinking lover's spit / swallowing words while giving head / they listen to teeth to learn how to quit / take some hands and get used to it [4], houve comemoração de aniversário de namoro e planos de vida – separados – e nisso se entendiam. Mas de que adiantaria parar naquele homem com pouca barba, pouca experiência, pouca idade, pouco tudo? Queria ser mulher inteira, experiente, e tinha apenas dezessete anos – que já não os tem. Resolveu que para amadurecer precisaria sofrer no mínimo três anos o amor perdido, assim amaria de verdade outras vezes mais. Passou os três anos dedicando-se a um estudo – inútil? – sobre os reflexos da Lei da Anistia (que concedeu perdão tanto aos civis que cometeram crimes políticos nos anos de ditadura, quanto aos militares que a impuseram) no estado democrático de direito. O estudo quedou-se inacabado. Transou com semi-conhecidos e desconhecidos, não obtendo satisfação compensatória. Em seu aniversário de vinte e um anos não convidou os amigos para a festa que não aconteceu, apenas tocou no estéreo um rock triste, que apenas era triste porque assim queria, e não se emocionou. Não havia motivo. Metal heart you're not worth a thing [5].
[1] Broken Social Scene - Anthems For A Seventeen Year-Old Girl.
[2] Frank Sinatra & Edward K. Ellington – All I Need Is The Girl.
[3] Nietzsche – Humano, Demasiado Humano.
[4] Broken Social Scene – Lover’s Spit.
[5] Cat Power – Metal Heart.