Guillermo e o músico da filarmônica


Gosto deste trecho por ser uma “dramédia” com certa autonomia em relação ao romance. Se não estivesse incluso no texto do romance seria por si só uma crônica agradável. Também me agradam os risos do músico (hehehe), hehehe.

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“Indo para o Trotcha, evitando as luzes do Carmelo, pela calçada do Auditórium, encontrei um membro da seção de percussão da orquestra filarmônica. Reconheci-o na hora.

– Como vai?

– Quem vai?

– Um admirador. Como vai a orquestra?

– Como disse?

– Como vai a orquestra.

– Fale um pouco mais alto, não estou ouvindo.

– A ORQUESTRA, COMO VAI?

– Ah, não muito bem. Pouco repertório. Os pratos são o instrumento menos apreciado. Mas estamos aí. Às vezes passo trinta ou quarenta compassos para dar uma só pratada.

– Tchaikovsky usa muito os pratos.

– Tchaikovsky sim, mas como o coitado era veado tocam pouca coisa dele.

– E Stravinsky?

– Alguma coisa no começo, mas pouco, depois. Reduziram o homenzinho.

– Quanto a Wagner?

– Não muito, na verdade pouco. Este instrumento não é apreciado como deve. Tem gente até que acha que não sei música. Dizem que é só bater os pratos e pronto. Também não me levam em conta que quase todos os músicos da orquestra estão sentados, enquanto eu passo a maior parte do tempo de pé, esperando o sinal do maestro. Ainda por cima, segurando os pratos nas mãos.

– Isso se nota mais nos ensaios.

– O senhor frequenta os ensaios então?

– O bastante para ter visto Stravinsky banhado de suor tirar toda a roupa depois do ensaio. Enxugou as partes com uma toalha.

– Hehehe. O maestro é nudista.

– Mas Weissman não.

– Não, Weissman não.

– Mas pude ouvir e ver uma troca de palavras que teve com Xancó.

– Primeiro violoncelo.

– O primeiro violoncelista. Terminado o ensaio Weissman ia para o camarim quando Xancó, que saía de entre as cordas, quase tropeçou no Maestro. Xancó, poliglota, quis não só mostrar o caminho a Weissman mas exibir seu francês, dando-lhe a escolher entre as violas e o caminho dos tchelos, sugerindo a Weissman: ‘Par ci, par lá, Maestro?’. Weissman, sorrindo, disse a ele: ‘Por onde você quiser, garoto’, em perfeito cubano.

– Hehehe.

– Desejo-lhe muitas partituras.

– Como disse?

– Que venham muitas composições com pratos.

– Não consigo ouvi-lo. Isso é outra coisa. Os pratos me deixaram um pouco surdo.

– ADEUS.

– Obrigado por me ouvir.

Deixei-o ainda na esquina, talvez esperando que o Grande Maestro fizesse o sinal do céu para que terminasse de soar o estrondo musical do seu instrumento.”

CABRERA INFANTE, Guillermo. A ninfa inconstante. Tradução de Eduardo Brandão. – São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 153/155.


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Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) - MG. "Um sujeito preguiçoso e frio, algo quimérico, ravoável no fundo, que malandramente construiu para si próprio uma felicidade medíocre e sólida feita de inércia e que ele justifica de quando em vez mediante reflexões elevadas. Não é isso que sou?" A Idade da Razão - Jean-Paul Sartre.

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