“[...]
– Foi esse Gauguin que fugiu? – perguntou repentinamente Ivich.
– Sim – disse Mathieu com solicitude. – Quer que lhe conte a história?
– Acho que conheço: era casado, tinha filhos, não é isso?
– É! Trabalhava num banco e no domingo ia para o campo com seu cavalete, pincéis e tintas. Era o que chamamos um ‘pintor de domingo’.
– Pintor de domingo?
– Sim. A princípio era isso. Um amador que borra telas no domingo, assim como a gente vai pescar. Por uma questão de higiene, compreende, porque a gente pinta ao ar livre, respirando o ar puro.
Ivich pôs-se a rir, mas não com a expressão que Mathieu esperava.
– Acha engraçado que ele tenha começado como pintor de domingo? – indagou Mathieu inquieto.
– Não, não era nele que pensava.
– Em que então?
– Eu estava pensando se a gente podia falar também em escritor de domingo.
Escritores de domingo! Pequeno-burgueses que escreviam anualmente um conto, ou cinco ou seis poemas, para por um pouco de ideal na vida. Por higiene. Mathieu estremeceu.
– Refere-se a mim? [...]”
SARTRE, Jean-Paul. A Idade da Razão. p. 121/122.