O cabelo anelado dela lutava com o vento, impacientava-a, era fim de tarde de domingo. Sentados, ela esperava o açaí que seria o pior de toda sua vida, ele esperava o açaí que seria o último que ele pagaria a ela, o vento ressecava os olhos. Os domingos costumavam ter cheiro de sexo, o que seriam dos domingos dali em diante? Amor era tema difícil, era a obstinação desmotivada que os movia, apesar de toda a tranquilidade – ou por causa de toda a tranquilidade. Ela passava a mão nos fios anelados, fitava-o, impaciente.
- Você não vai dizer nada, Edgar?
- Não tenho o que dizer, já discutimos muito, amanhecemos com isso, você sempre volta ao mesmo assunto.
- Você é como uma pedra!
- Tente ao menos uma vez sair dessa bolha em que supõe vivermos, entenderá melhor as coisas.
- Cara, não me deixe mais puta do que já estou. Você nunca foi romântico, sempre indiferente, ultimamente tem se distanciado, apenas transamos, como uma regra, e ainda quer que eu saia “dessa bolha”?
- Nunca nenhum de nós terá razão. A vida nos leva a lugares outros, diferentes de onde quereríamos estar. Buscar justificar, dizer motivos, não mudará o estado atual das coisas.
- Você sabe do ódio que carregarei de você. Embora o ame.
O vento soprava-lhes no ouvido mentiras, fixava o som dos domingos, o gosto acre das palavras.
*A quem convir, onde se lê 'vento' leia 'desespero'.
*A quem convir, onde se lê 'vento' leia 'desespero'.