Nasci e cresci em cidade pequena, onde não havia livraria, não havia teatro, não havia cinema, não havia nada além da biblioteca. E mesmo a biblioteca era de uma modéstia arrogante. Por volta dos onze anos, em uma tarde na biblioteca pesquisando algo para escola, fui descoberto por um livro erroneamente colocado na seção de literatura estrangeira (várias foram as vezes em que o coloquei na sua seção correta, mas sempre voltava para ao lugar ao qual o nome da autora sugeria pertencer), “Corações Mordidos”, da catarinense Edla Van Steen. Esse livro marcou o início de minha adolescência, um romance esquizofrênico, que se passa em um lugar “ilhado”, em que personagens se confundem, cujo fim até hoje me recordo: a personagem principal está sentada em uma cadeira, uma vela ou um cigarro cai no tapete que começa a pegar fogo, ela vê e nada faz para apagar, apenas deixa o fogo se alastrar pela casa. Depois desse dia me transformei em sócio da biblioteca. Li o que a minha rinite alérgica permitiu de Érico Veríssimo, Drummond, Bandeira, João Cabral, Cecília Meireles, Sérgio Porto etc. A bibliotecária tentava me mostrar escritores estrangeiros, mas eu me negava, justificava dizendo que só conseguia imaginar as histórias no Brasil. Com exceções de algumas poucas leituras como Sartre, Shakespeare, Kafka, Tchekov, pouco me interessava o que não era escrito no Brasil, ou ao menos por brasileiros, com exceção também para as minhas fixações juvenis que foram as histórias surpreendentes do Conan Doyle e do C.S. Lewis. Fui envelhecendo (!) e li todos romances do Graciliano Ramos, muita coisa do Jorge Amado, li também João Ubaldo, Fernando Sabino, Cyro dos Anjos, Machado, Mário e Oswald, Lima Barreto, Adélia Prado, Hilda Hilst... Mas em relação ao que foi escrito ao redor do mundo e que influenciou meus compatriotas, permaneci quase virgem.
Há menos de um ano descobri Borges, e, através dele, Cortázar. Literatura de altíssimo nível, fantástica. Dá-me uma saudade da Argentina que jamais conheci ao lê-los... Outro dia fui encontrado pelo “Continente Submerso – perfis e depoimentos de grandes escritores de Nuestra América”, de Leo Gilson Ribeiro, enquanto procurava um livro de ensaios do T.S. Eliot – ou terá sido do Walt Whitman? – na decadente biblioteca da Universidade em que estudo. Serviu apenas para aumentar meu fascínio e inveja pela genialidade que raras vezes vemos surgir na literatura de nosso país.